Fez há dois dias um mês que terminei o caminho. Dia 21 de Julho, foi o dia da chegada a Santiago. Hoje faz um mês que me despedi de todas aquelas pessoas que marcaram o meu caminho.
Penso que dizer que terminei o caminho é incorrecto, porque como todos que o fazemos acabamos por sentir que ali é apenas o fim para um novo princípio, uma continuação.
Faz um mês que cheguei e os pés continuam a doer sempre que ando mais um pouco, faz um mês que cheguei e que todos os dias volto a algum ponto do caminho, volto à lembrança deste ou daquele momento, desta ou daquela pessoa...
Em parte foi por isso que demorei tanto tempo a escrever algumas linhas sobre o chegar a Santiago, ainda não consegui desligar, em parte ainda vou estando por aquelas paragens... tal foi a intensidade de tudo a todos os níveis, físico, psicológico e emocional que custa dizer... acabou.
No dia 18 de Julho, optei por deixar de escrever para viver mais com menos uma preocupação... foi o saborear dos últimos dias. Foram dias tranquilos no ponto de vista de caminhada, com a excepção do penúltimo dia em que superámos os 20 km inicialmente propostos, uma vez que tínhamos chegado demasiado cedo a Pedrouzo, seguimos até Monte do Gozo perfazendo 30 e tal km, e nesse dia ficámos às portas de Santiago. 5 km que nos separavam de um destino aguardado há praticamente um mês, pensei que iríamos impelidos em fazê-los no mesmo dia, mas acho que mesmo depois do esforço ter sido enorme, ninguém em parte queria acabar já com o caminho. Lembro que nesse dia foi difícil convencer o Alex, um daqueles que marcou o meu caminho com a sua alegria e sentido de humor refinado, a seguir de Pedrouzo até Monte do Gozo. Mas o Julian, o meu "padre" (leia-se em espanhol) emprestado do caminho, negociou e deu-lhe a volta em troca de um bule de chá... Há lá coisas inexplicáveis e assim os sete seguimos até ao final. Eu, Julian, Josep, Maxi, Dani, Alex e Monica.
Poderia falar imenso de cada uma destas pessoas, mas as palavras não seriam suficientes para lhes dizer o tanto que significam para mim, nem o quão grande são como seres humanos. Fabulosos na entrega, partilha e companheirismo. Todos à sua maneira são grandes, mas acho que devo escrever umas poucas palavras sobre o exemplo da Monica. Ela representa um dos maiores exemplos de perseverança do meu caminho, praticamente desde o primeiro dia com os pés pejados de bolhas, unhas pisadas, com o avançar dos kms surgiram problemas de joelhos e tendinites nos tornozelos, tudo em dobro para não falar da última noite mal dormida com vómitos e afins... Nada disto a demoveu e seguir caminho dia após dia, e como se não bastasse seguiu até Finisterra. Bem hajas pelo exemplo.
Último dia de caminhada, 5 km de Monte do Gozo até à Praça do Obradoiro. Fiz este percurso a engolir em seco, meio em silêncio, e estava a sentir o ressurgir das maleitas dos pés que andavam encobertas, mas fui seguindo. Chegámos à parte lateral da Catedral por onde se chega quem vem do Caminho Francês às 8h00 em ponto, estavam os sinos a dar as badaladas. Nesse local enquanto uns paravam para fotos, segui sozinho para Obradoiro, sabia que ia rebentar pelas costuras quando chegasse àquela vieira que está no centro daquela praça. Cheguei, larguei a mochila e bastão para o chão, e abri comportas. Deixei tudo fluir o que doeu da vida, o que me fez feliz, emocionei-me com tudo de bom e de mau, fiquei feliz por ter superado todos os obstáculos que me foram aparecendo, fiquei feliz por não desistir e ter podido chegar ao fim mais rico ao lado destas pessoas e com tantas outras que levo cá dentro. Sim outras tantas que levo cá dentro, porque não levo só um mês de vida, comigo levei todos os amigos, família e pessoas especiais que me têm enriquecido os dias que passam e os tornam memoráveis mesmo quando são dias mais pacatos e banais. A todas essas pessoas que fazem parte do meu mundo, obrigado, por fazerem esta existência única e boa de se viver, mesmo quando por vezes tudo nos dói.
Poucos momentos depois o resto do grupo juntou-se ali naquele centro. Fizemos um círculo como é tradição para quem chega em grupo e de braços dados, o Josep com intenção de amenizar das emoções, começou a falar e eu cada vez libertava mais o que sentia, e o Julian bem que tentou serenar as coisas a pedir um momento de silêncio. No meio daquele momento enquanto eu me emocionava, uns segundos depois já o Alex e a Monica se desmanchavam a rir.
Fomos trocando abraços e gestos de amizade... e seguimos para a fila da Compostela. Com esse assunto resolvido, guardamos as mochilas no depósito de mochilas e seguimos para a fila da porta santa, para depois assistirmos à missa do peregrino.
Deu para dar um abraço especial ao Amigo Tiago, em nome de todos aqueles que mo pediram e em meu nome especial para que pudesse agradecer todas as coisas maravilhosas que a vida me tem trazido e me trouxe neste caminho em especial.
Começava a estar ansioso com o passar das horas, porque ainda que não tendo desenvolvido este assunto ao longo do blog, este caminho acabou por ser também um caminho de reencontro, de surpresa e de redescoberta e sobretudo de re-união de quereres e de vontades de algo que tinha dado como perdido há uns sete meses atrás. E esse reencontro estava guardado por horas, porque quando do nada se espera as coisas acontecem... e tudo é como tem de ser.
Almocei com os meus companheiros pela última vez, despedi-me de alguns, e sem tempo para a sobremesa fiz caminho em direcção à estação ferroviária, para um novo princípio de caminho.
E uns minutos depois reencontrei-me com a vida que já dava por perdida. Tive de nos empatar na estação porque necessitava de fazer a ligação entre os meus dois mundos, o de cá e o de lá. Uns minutos depois, chegam os meus companheiros Julian, Josep, Dani e Alex com quem partilhei a história da minha vida e se foram apercebendo que tudo aquilo era um momento importante. E num momento eles acolhem essa pessoa com um abraço colectivo, e ali o meu caminho estava unido à vida que deixei cá. Se houve momento que me preencheu este foi sem dúvida um deles. Obrigado amigos quando acolhem tão bem quem vem de fora, quem vos é estranho.
Fiquei por aquela terra até dia 24 de Julho, e não fiquei mais porque já não aguentava ficar até ao dia da festa de Santiago.
Dia 22 e 23 foram dias dolorosos de reencontros e despedidas do resto das pessoas que se cruzaram no meu caminho. Foram momentos demasiado intensos emocionalmente, valia-me a mim ter chegado primeiro e ter já descarregado o que por dentro corria para conseguir gerir a situação um pouco mais a frio. Havia um certo masoquismo nas despedidas de querermos ficar sempre mais um pouco a ver se o tempo esticava um pouco mais e o caminho não terminaria ali. Mas era preciso seguir e levar o bom. Nestes dias despedi-me do grupo em 3 momentos, dia 22, para me despedir fui ter com os restantes membros do meu grupo que tinham ficado para trás quando fiz a etapa de 40 km até Léon, levei uns packs de cervejas e ovos kinder para levantar o ânimo para a última etapa que fariam no dia 23. E aí foi a segunda dose de despedidas difíceis.
À partida estava a contar regressar a 23, mas acabei por ficar, seria importante não só vê-los a todos (Benjamin, Inigo, Haizea, Juanma Morita,Fito, Monika, Kamila, Jennie, Andre, Yolanda, Maurice, Louis Marie, Michel, Francesco, Aine, Marie, Amauri, Gérard, Dio, Uan So, Danielle, Lindsay, Brett, Abe, Michele, Tim, a Família Mcdonald,... ) em Santiago e despedir-me então em condições, assim como seria importante dar um abraço aos amigos (Zé, Ana, Alex, João Paulo, Pedro, Ulisses e João Carlos) que chegavam nesse dia também após terem feito o Caminho Português.
Foi um dia de extremos, de chegadas e partidas, e que me levaram a exaustão, decidi regressar no dia seguinte a Portugal porque passado um dia teria de regressar à vida de trabalho e tinha de arranjar tempo de organizar ideias...
O caminho ainda veio até Aveiro, quando tive por 2 dias as duas peregrinas americanas (que conheci na etapa do Cebreiro - Kiera e a sua mãe) acolhidas aqui em casa antes de apanharem o voo de regresso para os EUA.
Podia fazer um balanço aqui do que aprendi, do que mudou em mim, do que mudaria, do que se deve evitar numa experiência como esta, mas de nada valeria porque caminho cada um tem o seu.
Mas posso fazer um breve resumo: O melhor da vida são as pessoas, com elas se faz caminho dia a dia, mesmo sem andar. Na vida tudo requer paciência, por isso stressar por mais que seja inevitável, deve ser algo que se possa controlar, com tempo, vontade e querer tudo se resolve.
O melhor da vida são as pessoas... até já!
Ps: A exposição deve mesmo inaugurar a 25 de Setembro, em breve tenho mais detalhes. Enviarei um catálogo de cerca 500 fotografias a quem comprou fotografias e tornou este caminho possível, para que cada um possa escolher a ou as que gostar mais consoante o número de imagens compradas. Caso alguém esteja interessado em mais alguma é só dizer qualquer coisa. Ou ainda quem quiser ver o catálogo e queira comprar alguma posteriormente por favor entre em contacto comigo. São sobretudo fotografias de paisagem e retratos de quem me era mais próximo, assim se fez caminho...