sábado, 31 de julho de 2010

49º sinal | O fim para um novo princípio...





Fez há dois dias um mês que terminei o caminho. Dia 21 de Julho, foi o dia da chegada a Santiago. Hoje faz um mês que me despedi de todas aquelas pessoas que marcaram o meu caminho.
Penso que dizer que terminei o caminho é incorrecto, porque como todos que o fazemos acabamos por sentir que ali é apenas o fim para um novo princípio, uma continuação.
Faz um mês que cheguei e os pés continuam a doer sempre que ando mais um pouco, faz um mês que cheguei e que todos os dias volto a algum ponto do caminho, volto à lembrança deste ou daquele momento, desta ou daquela pessoa...
Em parte foi por isso que demorei tanto tempo a escrever algumas linhas sobre o chegar a Santiago, ainda não consegui desligar, em parte ainda vou estando por aquelas paragens... tal foi a intensidade de tudo a todos os níveis, físico, psicológico e emocional que custa dizer... acabou.
No dia 18 de Julho, optei por deixar de escrever para viver mais com menos uma preocupação... foi o saborear dos últimos dias. Foram dias tranquilos no ponto de vista de caminhada, com a excepção do penúltimo dia em que superámos os 20 km inicialmente propostos, uma vez que tínhamos chegado demasiado cedo a Pedrouzo, seguimos até Monte do Gozo perfazendo 30 e tal km, e nesse dia ficámos às portas de Santiago. 5 km que nos separavam de um destino aguardado há praticamente um mês, pensei que iríamos impelidos em fazê-los no mesmo dia, mas acho que mesmo depois do esforço ter sido enorme, ninguém em parte queria acabar já com o caminho. Lembro que nesse dia foi difícil convencer o Alex, um daqueles que marcou o meu caminho com a sua alegria e sentido de humor refinado, a seguir de Pedrouzo até Monte do Gozo. Mas o Julian, o meu "padre" (leia-se em espanhol) emprestado do caminho, negociou e deu-lhe a volta em troca de um bule de chá... Há lá coisas inexplicáveis e assim os sete seguimos até ao final. Eu, Julian, Josep, Maxi, Dani, Alex e Monica.
Poderia falar imenso de cada uma destas pessoas, mas as palavras não seriam suficientes para lhes dizer o tanto que significam para mim, nem o quão grande são como seres humanos. Fabulosos na entrega, partilha e companheirismo. Todos à sua maneira são grandes, mas acho que devo escrever umas poucas palavras sobre o exemplo da Monica. Ela representa um dos maiores exemplos de perseverança do meu caminho, praticamente desde o primeiro dia com os pés pejados de bolhas, unhas pisadas, com o avançar dos kms surgiram problemas de joelhos e tendinites nos tornozelos, tudo em dobro para não falar da última noite mal dormida com vómitos e afins... Nada disto a demoveu e seguir caminho dia após dia, e como se não bastasse seguiu até Finisterra. Bem hajas pelo exemplo.
Último dia de caminhada, 5 km de Monte do Gozo até à Praça do Obradoiro. Fiz este percurso a engolir em seco, meio em silêncio, e estava a sentir o ressurgir das maleitas dos pés que andavam encobertas, mas fui seguindo. Chegámos à parte lateral da Catedral por onde se chega quem vem do Caminho Francês às 8h00 em ponto, estavam os sinos a dar as badaladas. Nesse local enquanto uns paravam para fotos, segui sozinho para Obradoiro, sabia que ia rebentar pelas costuras quando chegasse àquela vieira que está no centro daquela praça. Cheguei, larguei a mochila e bastão para o chão, e abri comportas. Deixei tudo fluir o que doeu da vida, o que me fez feliz, emocionei-me com tudo de bom e de mau, fiquei feliz por ter superado todos os obstáculos que me foram aparecendo, fiquei feliz por não desistir e ter podido chegar ao fim mais rico ao lado destas pessoas e com tantas outras que levo cá dentro. Sim outras tantas que levo cá dentro, porque não levo só um mês de vida, comigo levei todos os amigos, família e pessoas especiais que me têm enriquecido os dias que passam e os tornam memoráveis mesmo quando são dias mais pacatos e banais. A todas essas pessoas que fazem parte do meu mundo, obrigado, por fazerem esta existência única e boa de se viver, mesmo quando por vezes tudo nos dói.
Poucos momentos depois o resto do grupo juntou-se ali naquele centro. Fizemos um círculo como é tradição para quem chega em grupo e de braços dados, o Josep com intenção de amenizar das emoções, começou a falar e eu cada vez libertava mais o que sentia, e o Julian bem que tentou serenar as coisas a pedir um momento de silêncio. No meio daquele momento enquanto eu me emocionava, uns segundos depois já o Alex e a Monica se desmanchavam a rir.
Fomos trocando abraços e gestos de amizade... e seguimos para a fila da Compostela. Com esse assunto resolvido, guardamos as mochilas no depósito de mochilas e seguimos para a fila da porta santa, para depois assistirmos à missa do peregrino.
Deu para dar um abraço especial ao Amigo Tiago, em nome de todos aqueles que mo pediram e em meu nome especial para que pudesse agradecer todas as coisas maravilhosas que a vida me tem trazido e me trouxe neste caminho em especial.

Começava a estar ansioso com o passar das horas, porque ainda que não tendo desenvolvido este assunto ao longo do blog, este caminho acabou por ser também um caminho de reencontro, de surpresa e de redescoberta e sobretudo de re-união de quereres e de vontades de algo que tinha dado como perdido há uns sete meses atrás. E esse reencontro estava guardado por horas, porque quando do nada se espera as coisas acontecem... e tudo é como tem de ser.
Almocei com os meus companheiros pela última vez, despedi-me de alguns, e sem tempo para a sobremesa fiz caminho em direcção à estação ferroviária, para um novo princípio de caminho.
E uns minutos depois reencontrei-me com a vida que já dava por perdida. Tive de nos empatar na estação porque necessitava de fazer a ligação entre os meus dois mundos, o de cá e o de lá. Uns minutos depois, chegam os meus companheiros Julian, Josep, Dani e Alex com quem partilhei a história da minha vida e se foram apercebendo que tudo aquilo era um momento importante. E num momento eles acolhem essa pessoa com um abraço colectivo, e ali o meu caminho estava unido à vida que deixei cá. Se houve momento que me preencheu este foi sem dúvida um deles. Obrigado amigos quando acolhem tão bem quem vem de fora, quem vos é estranho.

Fiquei por aquela terra até dia 24 de Julho, e não fiquei mais porque já não aguentava ficar até ao dia da festa de Santiago.
Dia 22 e 23 foram dias dolorosos de reencontros e despedidas do resto das pessoas que se cruzaram no meu caminho. Foram momentos demasiado intensos emocionalmente, valia-me a mim ter chegado primeiro e ter já descarregado o que por dentro corria para conseguir gerir a situação um pouco mais a frio. Havia um certo masoquismo nas despedidas de querermos ficar sempre mais um pouco a ver se o tempo esticava um pouco mais e o caminho não terminaria ali. Mas era preciso seguir e levar o bom. Nestes dias despedi-me do grupo em 3 momentos, dia 22, para me despedir fui ter com os restantes membros do meu grupo que tinham ficado para trás quando fiz a etapa de 40 km até Léon, levei uns packs de cervejas e ovos kinder para levantar o ânimo para a última etapa que fariam no dia 23. E aí foi a segunda dose de despedidas difíceis.
À partida estava a contar regressar a 23, mas acabei por ficar, seria importante não só vê-los a todos (Benjamin, Inigo, Haizea, Juanma Morita,Fito, Monika, Kamila, Jennie, Andre, Yolanda, Maurice, Louis Marie, Michel, Francesco, Aine, Marie, Amauri, Gérard, Dio, Uan So, Danielle, Lindsay, Brett, Abe, Michele, Tim, a Família Mcdonald,... ) em Santiago e despedir-me então em condições, assim como seria importante dar um abraço aos amigos (Zé, Ana, Alex, João Paulo, Pedro, Ulisses e João Carlos) que chegavam nesse dia também após terem feito o Caminho Português.
Foi um dia de extremos, de chegadas e partidas, e que me levaram a exaustão, decidi regressar no dia seguinte a Portugal porque passado um dia teria de regressar à vida de trabalho e tinha de arranjar tempo de organizar ideias...
O caminho ainda veio até Aveiro, quando tive por 2 dias as duas peregrinas americanas (que conheci na etapa do Cebreiro - Kiera e a sua mãe) acolhidas aqui em casa antes de apanharem o voo de regresso para os EUA.

Podia fazer um balanço aqui do que aprendi, do que mudou em mim, do que mudaria, do que se deve evitar numa experiência como esta, mas de nada valeria porque caminho cada um tem o seu.

Mas posso fazer um breve resumo: O melhor da vida são as pessoas, com elas se faz caminho dia a dia, mesmo sem andar. Na vida tudo requer paciência, por isso stressar por mais que seja inevitável, deve ser algo que se possa controlar, com tempo, vontade e querer tudo se resolve.

O melhor da vida são as pessoas... até já!

Ps: A exposição deve mesmo inaugurar a 25 de Setembro, em breve tenho mais detalhes. Enviarei um catálogo de cerca 500 fotografias a quem comprou fotografias e tornou este caminho possível, para que cada um possa escolher a ou as que gostar mais consoante o número de imagens compradas. Caso alguém esteja interessado em mais alguma é só dizer qualquer coisa. Ou ainda quem quiser ver o catálogo e queira comprar alguma posteriormente por favor entre em contacto comigo. São sobretudo fotografias de paisagem e retratos de quem me era mais próximo, assim se fez caminho...

domingo, 18 de julho de 2010

48º Sinal | Casi



Hoje o texto mais curto de todos. Isto está quase! Faltam 60 e poucos km. Dia tranquilo. Isto está a ficar estranho a sensação do fim, os maus atendimentos em albergues, mais uma série de coisas menos boas faz com que apeteça caminhar em sentido contrário de volta ao início. O regresso à essência e inocência do caminho. Talvez não escreva nada nos próximos dias, e guarde um texto especial para o dia da chegada. Vamos ver o que os dias trazem. Até já. E sim a vida é bela de mochila às costas. Já descobriram o que é o melhor do mundo?

sábado, 17 de julho de 2010

47º Sinal | O caminho das pessoas


Os dias passam os km também e já só faltam oitenta e nove, mais quatro dias e termina a aventura neste caminho. Mas o caminho continua, há que transportar a mochila e o aplicar de tudo o que aqui aprendi ou reforcei na minha maneira de ser e carácter por esta vida fora. Depois desta experiência só assim me faz sentido agora pensar. Não que pense em grandes mudanças na minha vida, mas renovar sentidos e ideias e aumentar a persistência na concretização dos tantos projectos que tenho por alcançar, faltam meios, falta dinheiro, há que haver dedicação e perseverança e um pouco de sorte, mas sobretudo as duas primeiras. Pensei muito nessas duas qualidades enquanto pelos intermináveis km, ia passando e observando os imensos carreiros de formigas que trabalham arduamente seja em que condições for.
Já me estava a desviar do meu caminho de hoje. Acordei muito mal humorado dizendo umas poucas de asneiras porque não tinha dormido nada mais uma noite, desta vez à conta de picadas de algum bicho que se entreteu durante a noite. Faz talvez mais de duas semanas que tenho pouco mais que três horas e tal seguidas de sono. Ora por ansiedade ora por bichos, ora por roncos. Movido pela má disposição iniciei a etapa a galope, como um cavalo esbaforido, ou melhor como aqui se diz quando alguém começa a puxar a velocidade, lá vai a mula. À conta deste facto já por uma etapa fui nomeado cavaleiro da ordem da mula.
Continuando. Após uns km optamos por seguir uma das alternativas, o que deu em quase seis km a mais. A dada altura já nós tomavamos o segundo pequeno almoço em Sarria, apareceu o Yves, o canadiano que ia encontrando pelo caminho nas primeiras semanas, saltei da cadeira, chamei por ele e dei-lhe um abraço. Já não o via há uns dias largos, ficou radiante ao ver que eu já andava a todo vapor. Posso dizer que fiquei emocionado com o reencontro. Era como se voltasse um pouco da forte energia das primeiras semanas de vivência. Parti novamente e cruzamo-nos - eu e a malta habitual das últimas largas etapas, Julian, Maxi, José, e o Dani - com um grupo de miúdos de treze anos que vinham de Saragoça e que iniciavam hoje o seu caminho. Entretanto encontrei o Martin, o alemão de ontem, que acabou por me contar que estava a fazer caminho por uma razão oposta à minha, isolar-se e procurar repostas para ele. Ao que lhe disse que na minha visão o caminho vale pelo oposto, pelo contacto com as pessoas. Depois partilhou comigo que caminhava há três dias com o mesmo problema que eu tive antes. Dei-lhe todas as recomendações que a experiência me tinha dado, e dei-lhe todos os anti-inflamatórios que me tinham sobrado do meu tratamento. Continuei caminho ao meu passo e cruzei-me com três dos miúdos de antes, e viemos a ter conversas de gente grande, todas puxadas pela curiosidade deles, desde a existencia de Deus e afins, às polémicas de sexo antes do casamento. A dada altura sobre o último assunto disse que não ía falar desse assunto com eles por talvez ainda não entenderem muita coisa, ao que me responderam que tinham treze anos mas que não eram tontos e que falasse sem rodeios. Enfim, um momento hilariante. Entre muitas coisas fui alertando que deixassem de fazer disparates como saltar muros porque ainda tinham 100 km a fazer com os dois pés. Deu-me saudades do tempo em que trabalhava como os exploradores nos escuteiros. Segui caminho e apanhei novamente os colegas de caminho, o Dani vinha mal de um músculo há uns km. E assim mais lentos acabámos por completar a etapa de quase trinta e seis km. O resto do dia foi normal, mas uma coisa aconteceu que me fez dar o título do sinal de hoje, ao fim da tarde no albergue encontrei o alemão novamente e perguntei como estava, e ele disse que melhor, que tinha tomado o que lhe tinha dado e seguido os conselhos que tinha caminhado bem melhor. Eu disse-lhe então, vês o caminho são as pessoas. E ele respondeu, vim a pensar nisso e nas tuas palavras, e tens razão.
Mais um dia ou menos um, e a vida é bela e mochila às costas, há lá coisa melhor. Haver há, mas não vos vou dizer, façam caminho no dia a dia e deverão descobrir. Uma pista... Pessoas!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

46º Sinal | Pequenas coisas


Hoje o dia teve trinta km intensos debaixo de neblina, e depois horas de chuva de caminhada. Era previsível, estamos na Galiza e à semelhança do Minho chover não é novidade. Não ficámos no ponto normal de etapa mas sim uns 10 km ou um pouco mais à frente na aldeia de Samos com o seu imponente mosteiro. Hoje foi um dia especial mas muito simples, tão simples que vou ser breve. Coisa simples número um: a paisagem verdejante. Número dois: uma troca de gritos de Tarzan com um pai e as suas filhas de uns nove e seis anos, fizemo-lo por uns bons dois ou três km. Foi bom sentir o ânimo das crianças a puxarem por mim. Já dizia a minha mãe que o melhor do mundo são as crianças, eu acrescento, as pessoas. Este talvez tenha sido o momento mais alto do meu dia, sem contar com os mil e trezentos e tal metros da subida ao Alto do Poio. Mas foi o mais alto porque me senti útil em ajudar os pais a manterem a moral das filhas em alta.
Número três: Ter descoberto que um dos monges beneditinos que desenvolveu estudos importantes na teologia era um tal de Doctor Bernardus. Esta descoberta deve-se à ida a missa do peregrino. E quando olhei para a cúpula, lá estava ele representado.
Número quatro: partilhei com o Martin, um alemão que conheci hoje, como tirar melhor partido da sua máquina fotográfica. E como poderia fazer o caminho até Finisterra, uma vez que eu já o tinha feito o ano passado.
Assim se faz caminho e se enche uma vida que é bela de mochila às costas.

45º Sinal | O renascer




A expectativa para hoje era grande, muito de tanto se ouvir falar da famosa subida até Ocebreiro. Começámos cedo, na habitual hora do costume, seis da manhã. Fazia frio, mas antes assim. A passo lento sem forçar fomos andando. Até um pouco antes de La Faba foi pacífico, depois começou a dura subida, mas não é assim tão má. A dada altura da subida, o espírito do caminho, de abertura aos outros reapareceu quando ao cruzar-me com duas peregrinas americanas, mãe e filha, surgiu uma conversa e um à vontade que só seria espectável com alguém que já viesse a fazer caminho de longe, o que era o caso, tinham começado no mesmo local que eu e iriam acabar um dia depois de mim. Foi com a filha que segui caminho até ao topo, com conversas sobre culturas, caminhos e vidas. Esta conversa distraiu-me tanto que nem dei pela dificuldade do caminho. Ao chegar ao cimo estava um italiano a dar força com som de um corno e a distribuir mensagens de paz e outras coisas de boa energia, assim como dava ramos de flores às mulheres e raparigas. Era tal a boa energia do senhor que lhe pedi um abraço. Foram estas duas pequenas coisas que tornaram o meu dia diferente e que me fizeram ter esperança que ao virar da esquina podemos ter uma boa surpresa. O resto do dia foi pacífico, entre passeios na aldeia e descanso. Deu ainda para fazer a boa acção do dia em que ofereci um guia que tinha comprado em Saint Jean a duas peregrinas que andavam desorientadas. Assim se faz caminho e se embeleza uma vida de mochila às costas, fiquei um pouco mais rico hoje.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

44º Sinal | O caminho Mais um dia, mais uma viagem, mais uma etapa




Decidiu-se fazer a etapa não até Villa Franca Del Bierzo mas mais uns quatro ou cinco km à frente até Pereje. Opção tomada dado que amanhã a etapa a fazer é das mais puxadas de todo o caminho, segundo consta, a subida até a Ocebreiro. Assim a de amanhã está encurtada. A escolha foi bem acertada o albergue é uma casa rural soberba. Recomendado. Fora estes detalhes, a caminhada é feita com esforço. Mas isso toda gente sabe. A corrida começou, muita gente iniciou a peregrinar hoje, os números começam a subir e quem começa agora, vem com mentalidade diferente. Vem para andar e correr à caça aos albergues, nota-se que vêm um pouco arredados do espirito do caminho, generalizando claro está. O caminho ganha encanto na paisagem mas perde na maneira como se vê muita gente a fazê-lo. O caminho deixa de ser um caminho espiritual de abertura aos outros. Mas não ganho nada em falar do que observo, mas deixa-me com uma má sensação. Ainda assim conheci mais um casal americano, e um chico espanhol. Cada um tem o seu caminho, e para mim definitivamente o caminho são as pessoas, e não os km. O que levamos daqui são sobretudo as vivências de quem se encontra e está igualmente aberto ao mundo. E sobre as pessoas, hoje é dia de agradecer aos meus companheiros de caminho, destes últimos dias, que me têm dado uma força, e uma atenção nos cuidados aos pés e da alma. Estou rodeado de pessoas excepcionais. É o mais gratificante desta experiência. A vida são as pessoas, estimem quem tenham à vossa volta e quem se aproxima e vem por bem, é isso que se leva desta vida, que é bela de mochila às costas. Uma fase diferente do caminho mas com novas descobertas interiores, umas ficam cá dentro, outras serão para pôr em prática. Sei que o discurso anda cinzento mas como dizemos na nossa terra, quem vê caras não vê corações. Quero chegar!

terça-feira, 13 de julho de 2010

43º Sinal | A etapa da cruz de ferro até Ponferrada






Bem a saga das etapas duras instalou-se. Há dois dias que abandonei as planícies tórridas da meseta de Leon, e comecei a trepar e descer montes, mas que montes. Hoje depois de alvorada às seis, seguimos novamente até à cruz de ferro e a partir daí sobe ainda um pouco mas depois são descidas e descidas daquelas que fazem tremer as pernas de tanto esforço. Vinte e tal km duros, mas em que a paisagem e as aldeias por onde se passava eram qualquer coisa de bonito. Melhor só a etapa de Saint Jean. Chegámos ao albergue ao meio dia e pouco e mais uma vez um mundo novo de gente, há muita gente a começar aqui o caminho. A massificação chegou para ficar. A etapa deixou sequelas em todos, em mim um joelho dorido, um pé empenado e uma bolha valente que vem a resistir. Ossos do ofício. E por mais conselhos que sigamos não há como evitá-las, se tiverem que aparecer, aparecerão. Fora este detalhe pouco interessante, telefonei ao grupo que ficou para trás, contaram-me que quando leram uma mensagem minha à dias que se emocionaram e que houve lágrimas no canto do olho. E que a falta é reciproca. A vida é intensa por estes lados, mas também não sei viver de outra maneira. A pacatez dos dias e a ansiedade de acabar começam a dominar, isto nesta fase começa a saber a nostalgia. Não estou a desanimar, mas ainda estou para descobrir o sentido nestes dias que já são poucos que faltam. No meio disto tudo, é engraçado ver os orientais com o seu ar simpático e cómico a cumprimentarem-me mal me vêem a não sei quantos metros de distancia. Podia fazer um relato sobre Ponferrada, mas dado o meu estado não tive oportunidade de vislumbrar grande coisa, mas é bonita. Cá fora valoriza-se mais os chamados centros históricos. Mas isto levaria para outras guerras que me faz lembrar um pouco triste que no nosso país tratamos tão mal o nosso património. Devaneios à parte, a vida é estranha e bela de mochila às costas. A ver o que amanhã traz.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

42º Sinal | De Astorga à Cruz de Ferro e Foncebadon




Esta etapa prometia ser difícil. E assim foi. Os pés continuavam inchados, desde início que se começa a subir suavemente até que os últimos seis km são bem puxados. Fiquei extremamente cansado. Deixámos as mochilas no albergue e subimos a mais um dos pontos mais místicos do Caminho - a Cruz de Ferro. Este local tem um encanto especial onde pessoas das mais diferentes culturas deixam as suas pedras transportadas ao longo do Caminho até ali, assim como tudo o que se possa imaginar existe ali - símbolos de fé, promessas e pedidos. Voltámos a descer ao albergue fazendo assim um total de cerca de trinta e três km de etapa. Caí redondo na cama sem banho e sem almoçar. Por andar a dormir mal, sinto-me mais cansado que o normal. Duas horas e meia depois acordei bem, fui ao banho e almoçar. Passei a tarde com uma guitarra emprestada, fazendo festa para quem estava a aproveitar o sol. Conheci uma coreana com o nome da minha irmã, ainda mais duas americanas, uma boliviana que já vem a caminhar connosco há uns dias, e o japonês Dio. Amanhã seguimos até Ponferrada. Mais uns vinte sete, penso que vamos baixar os 200 km de distância a faltar até Santiago. Esta fase dos próximos quatro dias promete ser desafiante, a ver como me aguento e que histórias trazem mais. Depois do que vivi até hoje no caminho e com a intensidade que foi, que nos dias mais ou menos bem mais pacatos, resta saber saborear os pequenos e simples momentos e torná-los tudo menos banais, como quem diz especiais.
A vida está cada vez mais dura mas a vida é sempre bela de mochila às costas.

domingo, 11 de julho de 2010

41º Sinal | Dois dias, duas etapas, uma feia, outra esplêndida









Tem sido difícil com o cansaço a acumular escrever com o ritmo inicial. Por isso, peço desculpa pelos atrasos, mas tranquilizo já dizendo que tudo vai bem. Ontem a etapa de vinte e tal km entre Leon e San Martin del Camino, foi do pior que pode haver. Mmuita estrada, paisagem feia, San Martin é desinteressante. Foi um bom dia para descansar, tentando fugir ao calor mas nem dentro dos albergues se consegue isso. A sensação de mau estar do grupo ter-se partido continuava, a juntar ao mau espírito que três ou quatro bolhas me andam a causar. Mas o mal foi os pés terem inchado como nunca vi, os meus. Terminado o dia de ontem, o dia de hoje posso dizer que foi quase perfeito. Apesar do início difícil, por ter os pés extremamente inchados, e ter alargado os atacadores ao máximo, a etapa fez-se muito bem, com algumas subidas e descidas por paisagens que por vezes pareciam o Alentejo. A meio do caminho de hoje passámos por mais uma placa que diz quantos km faltam para Santiago. Um pouco mais à frente na etapa, o Julian perguntava se era melhor parar para comer. Disse que não e seguimos caminho os cinco. Um km depois estava um rapaz com um posto de apoio ao peregrino com tudo que se podia querer, de sumos a bolachas a bolos caseiros, fruta tinha de tudo. Incluindo boa energia e de pôr em prática de forma exemplar o lema que partilhei à dias. Com energia reposta, aquela pausa serviu também para aumentar o bom espírito e os sorrisos e gargalhadas de quem aprende a apreciar de coração cheio a grandeza da atenção daquele rapaz que já tinha feito o caminho há dois anos e agora retribuía. Faltavam poucos km para chegar a Astorga, cidade pequenina, mas muito bonita, com Catedral e Palácio de Gaudi (a visitar) e outras tantas praças a ver. Depois de instalados no albergue a boa disposição aumentou com a chegada dos três mosqueteiros da Normandia e o Eugénio, o senhor italiano de quem já falei. Foi bom ver gente conhecida, talvez aos poucos consiga formar um novo grupo ainda maior. Banhos e lavagem de roupa tratada, fomos almoçar cozido maragato, muito parecido ao português. Até hoje a melhor comida do caminho. Depois fomos esticar as pernas para ver a catedral da cidade e o palácio episcopal da autoria de Gaudi. Entretanto tenho conhecido mais gente, Cláudia, da Bolívia, Bret e o Abe dos EUA, e o Filipe, do Brasil, e que por coincidência tem de apelido Bernardo. O Abe está a fazer o Caminho com a mãe, uma experiência interessante. Ainda mais uma curiosidade que liguei ao primeiro sinal do revisor do comboio. Abe é diminutivo de Abraham, Abraão em Português. Ele anda mesmo aí a proteger-me no caminho. Lentamente vou ganhando novo ânimo. Sempre à procura de como ser útil, vou falando por telefone com as irlandesas que ficaram para trás, para ver se lhes mantenho a moral de continuarem até ao fim e dando indicações do que vem a seguir. Assim vou fazendo caminho, assim a vida é bela, dura e intensa de mochila às costas.

sábado, 10 de julho de 2010

40º Sinal | Lemas






Dentro de todos os lemas que podem existir, o toma "o que necessitas e deixa o que possas" penso que se adequa ao que vou fazendo por aqui, absorvendo da experiência e dos outros o que necessito e dar-me ao máximo no que posso, sobretudo com os outros, deixando marcas.
O dia começou com alvorada às três da matina, os quase 40 km até Leon assim o exigiram, porque o calor anda infernal por aqui. Quatro e dez começámos a marcha. Esta fase da meseta é sem dúvida feia e desinteressante, com caminhos sem sombra e a acompanhar a estrada nacional. O bom é que é plano. Após uma fase inicial, dezanove km depois encontrei a salvadora da minha máquina e a avó Rita no café onde parei para desayunar. Foi uma festa, a contrabalançar com o sentir-me mal pelo separar do grupo. Às onze e meia chegámos ao albergue e a sensação foi estranha, porque as caras conhecidas eram quase nenhumas. Foi como entrar num mundo à parte, a alegria foi ter encontrado os três mosqueteiros franceses. Até à hora da siesta, passei mal, muito cansado e dorido. E com o calor a moer ainda pior. Melhorei após a sesta, e seguimos a visitar Leon, ruas e catedral. Ao longo do dia conheci um brasileiro e um japonês. O ambiente esta estranho, falta qualquer coisa. Creio que a partir daqui vai ser massificado, esté aqui muita gente. Amanhã vinte e quatro km, a ver se dá para descontrair. Esquisitices à parte a vida é bela de mochila às costas.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

39º Sinal | Dia de 30 km a fazer entre Terradilla dos Templários e Burgo de la Renera



Alvorada às quatro da manhã, apenas com três horas e meia de sono. Porque ainda tive de embalar ao som do valente ressonar do Maxi. Tudo arrumado, quase a pôr-me ao caminho quando no meio do escuro dou um passo em falso e dei uma queda de uma altura suave de meio metro, mas estatelei-me no chão. Susto refeito, fiz-me ao caminho com os colegas de caminho de hoje, Julian, José e Dani. Pela madrugada é maravilhoso andar, fresco e a luz do raiar do sol é qualquer coisa que nos faz pensar que se fosse sempre assim seria fácil. Tudo correu bem até o sol começar a apertar nas últimas duas horas de etapa, entre as 10 e pouco e o meio dia e qualquer coisa. O calor arrasou com qualquer energia que pudesse haver, mas foi bom ao chegar, ter ocorrido a casualidade de que um senhor regava a relva em frente ao albergue e pude refrescar os pés. Durante os 30 km de hoje partilhei o caminho com os três mosqueteiros franceses, senhores na casa dos sessenta anos que são da Região da Normandia, temos cruzado e falado bastantes vezes, já os retratei fotograficamente, um dia partilharei.
O mal deste dia foi que o grupo começou a dividir-se, uns ficaram numa aldeia uns 10 km atrás. E separámo-nos sem dar por ela e sem nos despedir, resta a esperança de pelo menos poder recêbe-los em Santiago, se não for antes. Ontem despedi-me das duas irlandesas, ainda que trocámos números e vamos falando e quanto mais não seja estaremos juntos em Santiago também. Provavelmente virão a Portugal para a Exposição de Fotografia. As despedidas são o lado triste do caminho. O Caminho é o viver o ciclo de uma vida inteira num mês apenas, porque passamos por tudo o que vida nos pode proporcionar. Por isso tudo é tão forte, intenso e vivido e tudo custa mais que o normal. Companheiros de caminho estou convosco. Até já. A vida é dura mas bela e rica de mochila às costas. Amanhã quase 40 até Leon.