segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

134 dias para partir, Patrick's day

Sei que já não aparecia por aqui há uns dias, mas não perdi o rumo, nem me afastei do caminho.
Aliás se há um dia na minha vida que me apetece ir porta fora e largar tudo seria hoje... Se as contas não me atraiçoam a memória, hoje faltarão 134 dias para me fazer ao caminho...
Estava para partilhar mais um daqueles receios que podem assolar a cabeça de um peregrino com alguma experiência mas não tanta quanto isso. No entanto, hoje o Caminho de Santiago entrou-me pela janela do carro.
Saí do trabalho, e para arejar a cabeça e não me enfiar logo em casa fui dar uma volta de carro para os lados de casa dos meus pais, não muito longe da minha diga-se, mas enfim. Nisto, deparo-me com um sujeito cujo o meu primeiro pensamento foi, "Estás a precisar de um banho!". Longos cabelos e barba grisalhos, amarelados, alto, magro, encasacado, chapéu, mochila, sacos, tenda, uma vara bifurcada, um púcaro pendurado na mochila, e vieiras... é pá... vieiras... Santiago... púcaro... tenda... vara...peregrino errante?
Vi-o falar com uns senhores mas seguiu, sentou-se nuns degraus, pareceu-me exausto. Vou e falo? Será, não será? Tanto mau aspecto... preconceitos estúpidos. Liguei a um Amigo, a ver o que ele achava, desde o vai lá e fala e vês se precisa de alguma coisa, ao facto oposto de ouvir "Quando vais para fora e se precisas de ajuda ou de alguma coisa, pedes, não é?" Era um facto que a pessoa não aparentava andar a pedir ajuda, apesar do seu péssimo aspecto e ar estafado. Preconceito estúpido vencido, e fui lá. Abordei com um "Hello, do you need any help?", ao qual obtive um "No thanks, I'm ok.", fui insistentemente perguntando se não precisava mesmo de ajuda, e só me respondia que estava ok. Perguntei-lhe de onde vinha, a resposta: Ireland!
Passado um pouco, disse-lhe que ao ver vieiras na mochila pensei logo que seria peregrino de Santiago. Contei-lhe da minha intenção de fazer o caminho francês e ele disse que já o tinha feito, mas que aquilo já não era bem a mesma coisa, porque já estava a tornar-se um pouco um hábito quase turístico. Na percepção dele, disse que cerca de umas 200 pessoas partem diariamente para fazer o Caminho. E talvez estivesse a falar daqueles turistas que fazem o caminho sem mochila às costas, usando os serviços de transporte de mochilas.

Desta vez a aventura dele começara em Fátima e o destino seria Santiago.
Ainda no início da conversa disse-me que uma das dificuldades que estava a sentir é que os portugueses não falam muito inglês, nem mesmo os estudantes... Achei estranho ele referir que as gerações mais novas não falem... mas deve ter sido o que lhe apareceu à frente.
Estava muito vermelho, e arfava um pouco, perguntei mais uma vez se estava bem e não precisava de nada. Ele disse que estava com grupe, queria dizer gripe, disse que lhe arranjava medicamentos para se tratar os quais recusou, porque habitualmente não tomava nada. Por piada perguntei-lhe se precisava de whisky irlandês para curar a gripe, mas não, era homem só de tinto... Ao menos tinha noção daquilo que faz melhor.
E como diz o ditado "A pão e vinho se faz o caminho.", facto que ele imediatamente concordou, até comentámos sobre a fonte que existe no caminho, a da Abadia de Hirrache, que tem torneiras onde sai vinho gratuitamente.
Perguntei agora com um pouco mais de confiança se precisava de alguma coisa, ele falou em pão. E fui comprar pão. Só tinha 2,25 € no bolso, e sinceramente talvez todo o dinheiro que tenho, até que um dinheiro que anda por aí há muito tempo perdido me entre na conta, que era a conta onde já devia estar. Mas vá ainda assim, comprei 10 pães, custou um euro. Fui ao supermercado com 1,25€ procurar vinho tinto. O mais barato que havia, custava 1,25 € (mais uma daquelas coincidências), daquele embalado naqueles pacotes tipo de leite (os ditos tetra-pack), e chamava-se A Suadela. Uma suadela diz que faz bem à gripe, pelo menos, os meus amigos, eles, dizem que sim.
Fui-lhe levar a merenda a qual foi expressivamente agradecida, haviam de ter visto o sorriso dos olhos quando lhe mostrei o litro de vinho.
No fim perguntei-lhe o nome, respondeu Patrick, como o patrono da Irlanda. Mais uma coincidência, porque quem já me conhece, sabe que o meu destino, e de um grupo de amigos, que gosta de peregrinar será na ultima semana de Julho de 2011 rumar à Irlanda ao Monte de Saint Patrick, mais um local de peregrinação digno de viver.
Posto isto perguntou-me o meu nome, ao que respondi e ele comentou:"Como os cães que levam vinho ao pescoço certo?". Certo.
Pancadas calorosas nas costas e um bom caminho. E eu fiz-me ao meu, sem um tusto mas feliz.