segunda-feira, 7 de junho de 2010

14 dias... e uma história do meu caminho de vida


Ando à dias para partilhar esta história simples mas muito especial... só hoje consegui parar um pouco para o fazer minimamente como deve ser, porque por mais palavras que escreva dificilmente conseguirei transmitir isto com a intensidade com que este simples acontecimento me bateu cá dentro...
Era sexta-feira e andava nas voltas do trabalho de campo pela zona de Trás-os-Montes, nas curvas e contra-curvas da Nacional 15, o calor apertava, ora o calor transmontano não fosse fustigante e intenso, vidros do carro abertos e serpenteando suavemente seguia caminho. Eis que de repente tive de abrandar e parar o carro para que um rebanho com umas 30 ovelhas pudessem passar... como seria de esperar no fim do rebanho vem sempre um pastor.
Aproximou-se devagar da janela do meu carro e com tamanha gentileza na abordagem, que as primeiras palavras foram logo de agradecimento por ter esperado e não ter mal tratado nenhuma das suas ovelhas, seguido então de um afável bom dia. No seguimento destas palavras, rapidamente lhe disse que quem anda nestas estradas tem de contar com estas situações e ter paciência, e claro está que não havia qualquer problema. O senhor tornou a agradecer, e mais uma vez me agradeceu, mas não sem antes me perguntar onde ia, com um típico "Para onde vai senhor?", respondi-lhe que ia em direcção a Vila Real, e quando me preparava para retomar marcha, repetiu várias vezes o agradecimento, e que o Senhor me guiasse, acompanhasse e ajudasse. Boa viagem meu senhor, boa viagem. Retribuí o desejo de boa viagem e bom dia e segui caminho.
Durante os instantes de percorrer uns cinquenta metros, pensei que devia ter guardado algo mais daquele encontro -uma fotografia. No mesmo momento encostei o carro no primeiro sítio com a berma mais larga, peguei na máquina e segui a correr atrás do pastor.
Quando cheguei ao pé dele meio esbaforido, perguntou-me: "Então menino que viestes fazer?". Pedi-lhe para lhe tirar uns retratos, mas ele envergonhadamente dizia: "Mas ó senhor eu estou tão mal arranjado.". Fiz-lhe ver que isso não seria problema algum, que cada um é como é e pronto. Vencido este obstáculo, comecei a fotografar e devagarinho quando procurava novos ângulos apercebia-me que a postura do senhor, era hirta como antigamente se posava para um retrato e que à medida que me ia movimentando em seu redor ele ia acompanhando a máquina ficando sempre de frente para mim.
No meio dessa situação, perguntei-lhe o nome, ao que me respondeu: "Adelino, senhor!", estendi-lhe a mão para um forte bacalhau e apresentei-me: "Eu sou o Bernardo.". Dado mais este passo no conhecimento um do outro, continuei a fotografar e ainda lhe perguntei: "Senhor Adelino, há quanto tempo é pastor?", respondeu, "Oh senhor, desde os 8 anos!". De imediato, tinha de vir a pergunta seguinte, que idade teria... 79 anos!
Era pastor há 71 anos, dizia ele porque naquele meio onde vivia, era o pastoreio que lhe conseguia dar algum sustento.Fiquei a pensar nisto, 71 anos de vida a trabalhar sempre para sobreviver com a simplicidade a que dificilmente hoje qualquer ser humano de vila ou cidade se habituaria a viver. 71 anos de trabalho duro pelo monte, com frio, calor, chuva, neve... uma vida a lutar... uma vida cheia de valor, que o próprio nem se apercebe...
Depois de tirar meia dúzia de fotografias, mostrei-lhe as imagens e nisto de súbito ele pega na minha mão e dá-lhe um beijo e diz: "O senhor está a ser tão meu amigo! Venha-me ver mais vezes, vem?"
Fiquei atordoado com a força daquele pedido de uma pessoa que devia andar sedento de um pouco de atenção e companhia. Tocou-me muito, mas tal foi o atordoamento que a minha resposta não foi grande coisa, respondi apenas que como passo ali várias vezes que por certo nos voltaremos a encontrar.
Despedi-mo-nos e e fiz-me ao caminho... há quatros dias que esta história me vem constantemente à cabeça. Espero que em breve, ou na pior das hipótese quando chegar do caminho, uma das primeiras coisas a fazer será ir visitar o Sr. Adelino.
Como dizia num dos textos deste blog, todos os dias fazemos caminho, seja de casa para o trabalho, no trabalho, fora dele, até na estrada nacional 15... Bem-haja senhor Adelino, por este pedaço de caminho que me enriqueceu e fez ver a vida por mais um prisma diferente.
Faltam 14... 13 dias para me lançar em mais um caminho... até já!