quarta-feira, 7 de julho de 2010

38º Sinal | Amigos no caminho


Hoje mais um dia intenso, onde o inesperado aconteceu e onde vi a vida mal parada. Hoje foi um dia perdido, por um lado, mas ganho por outro. Hoje quando estava para começar a andar às cinco e meia da manha, reparei que me faltava a máquina fotográfica. Fui à camarata várias vezes revirar tudo e não aparecia, desfiz a mochila três vezes e nada. Desesperei. Lá se ía o projecto fotográfico. Duas peregrinas a Inês da argentina e outra senhora espanhola ficaram bastante preocupadas. Depois de cabeça um pouco mais fria, organizei as ideias e se não aparecesse iría directo até Leon e tentar desenrascar uma alternativa. E retomar caminho aí. Enquanto isso só para ficar de consciência mais tranquila tentei ir ao bar onde ontem tínhamos ido ver o jogo do mundial, Uruguai contra a Holanda. Estava fechado até às três da tarde. Mas um local mostrou-me onde moravam os donos e lá fui eu. Eram sete e meia da manhã quando lá cheguei, como tudo estava fechado, aguardei que acordassem. Esperei duas horas, até que uma senhora veio à janela do primeiro andar. Uns minutos depois vi-a passar na janela da cozinha e fui bater gentilmente na janela. Perguntei se podia falar com ela, respondeu que não e virou as costas. Pensei que não me tivesse percebido ou que tivesse ido vestir outra coisa para falar comigo, mas nada. 10 minutos e nada. Bati novamente à janela e nada, e numa última vez ela vem à janela e ameaça de imediato que se não me vou embora que chama a guarda civil. Ainda lhe perguntei se tinha visto a máquina, mas mandou-me embora e que fosse ao bar às três quando abrisse, mas que me fosse embora senão chamaria mesmo a guarda civil. Acho que nunca fui tão mal tratado por ninguém, com a excepção de uma militar no dia da inspecção para a tropa. Devo ter cara de terrorista. Voltei ao albergue a fazer horas à espera das três ou de algum sinal de vida. Desfiz a mochila de novo e nada. Passava do meio dia quando uma das irmãs do albergue atende o telefone era o José, o flautista, a dizer que tinham localizado a máquina. A minha expressão mudou de tal maneira que a freira disse, veja como o rosto se iluminou. Ja era muito tarde e o calor infernal da meseta já estava instalado. Meti-me no autocarro e fui ter com os meus companheiros de caminho. Ao chegar estava o Julian com ela. E contou-me que foi a Argentina que voou para apanhar o peregrino que tinha dormido na cama ao lado da minha e que por engano a tinha colocado na sua mochila.
Problema resolvido podia descansar e pensar novamente em fazer caminho seja ele o que for. Mais que nunca foi o sinal que a postura de prática do bem pelos outros, de lhes dar alegria e proporcionar novas amizades neste caminho é a essência de tudo. Não fosse esse tipo de vivência teria ficado sem máquina provavelmente. No man is an island. Já dizia o outro senhor, que um homem não é uma ilha, e com muita razão. Acabei a noite da melhor forma com a despedida do meu irmao gémeo alemão e do seu amigo Peter juntando-se à festa as duas irlandesas Onia e Marie, não esquecendo umas belas cañas de cerveja. Bom final de noite onde tive aquele sentimento de quando estás com gente com quem te sabe bem estar, quase como amigos de longa data, sobretudo quando as irlandesas me disseram que a melhor notícia do dia delas tinha sido o aparecimento da minha máquina, além disso é sempre bom ouvir que alguém nos entende como uma boa pessoa e que gosta de nós. Família, amigos, conhecidos, gosto de vocês. 
A vida é bela de mochila às costas mesmo em dias difíceis. E com isto recordo uma frase que li no vão da escadaria do albergue de Santo Domingo da Calcada: Se o caminho é demasiado fácil, provavelmente não leva a lado nenhum. Assim é!