sábado, 17 de julho de 2010

47º Sinal | O caminho das pessoas


Os dias passam os km também e já só faltam oitenta e nove, mais quatro dias e termina a aventura neste caminho. Mas o caminho continua, há que transportar a mochila e o aplicar de tudo o que aqui aprendi ou reforcei na minha maneira de ser e carácter por esta vida fora. Depois desta experiência só assim me faz sentido agora pensar. Não que pense em grandes mudanças na minha vida, mas renovar sentidos e ideias e aumentar a persistência na concretização dos tantos projectos que tenho por alcançar, faltam meios, falta dinheiro, há que haver dedicação e perseverança e um pouco de sorte, mas sobretudo as duas primeiras. Pensei muito nessas duas qualidades enquanto pelos intermináveis km, ia passando e observando os imensos carreiros de formigas que trabalham arduamente seja em que condições for.
Já me estava a desviar do meu caminho de hoje. Acordei muito mal humorado dizendo umas poucas de asneiras porque não tinha dormido nada mais uma noite, desta vez à conta de picadas de algum bicho que se entreteu durante a noite. Faz talvez mais de duas semanas que tenho pouco mais que três horas e tal seguidas de sono. Ora por ansiedade ora por bichos, ora por roncos. Movido pela má disposição iniciei a etapa a galope, como um cavalo esbaforido, ou melhor como aqui se diz quando alguém começa a puxar a velocidade, lá vai a mula. À conta deste facto já por uma etapa fui nomeado cavaleiro da ordem da mula.
Continuando. Após uns km optamos por seguir uma das alternativas, o que deu em quase seis km a mais. A dada altura já nós tomavamos o segundo pequeno almoço em Sarria, apareceu o Yves, o canadiano que ia encontrando pelo caminho nas primeiras semanas, saltei da cadeira, chamei por ele e dei-lhe um abraço. Já não o via há uns dias largos, ficou radiante ao ver que eu já andava a todo vapor. Posso dizer que fiquei emocionado com o reencontro. Era como se voltasse um pouco da forte energia das primeiras semanas de vivência. Parti novamente e cruzamo-nos - eu e a malta habitual das últimas largas etapas, Julian, Maxi, José, e o Dani - com um grupo de miúdos de treze anos que vinham de Saragoça e que iniciavam hoje o seu caminho. Entretanto encontrei o Martin, o alemão de ontem, que acabou por me contar que estava a fazer caminho por uma razão oposta à minha, isolar-se e procurar repostas para ele. Ao que lhe disse que na minha visão o caminho vale pelo oposto, pelo contacto com as pessoas. Depois partilhou comigo que caminhava há três dias com o mesmo problema que eu tive antes. Dei-lhe todas as recomendações que a experiência me tinha dado, e dei-lhe todos os anti-inflamatórios que me tinham sobrado do meu tratamento. Continuei caminho ao meu passo e cruzei-me com três dos miúdos de antes, e viemos a ter conversas de gente grande, todas puxadas pela curiosidade deles, desde a existencia de Deus e afins, às polémicas de sexo antes do casamento. A dada altura sobre o último assunto disse que não ía falar desse assunto com eles por talvez ainda não entenderem muita coisa, ao que me responderam que tinham treze anos mas que não eram tontos e que falasse sem rodeios. Enfim, um momento hilariante. Entre muitas coisas fui alertando que deixassem de fazer disparates como saltar muros porque ainda tinham 100 km a fazer com os dois pés. Deu-me saudades do tempo em que trabalhava como os exploradores nos escuteiros. Segui caminho e apanhei novamente os colegas de caminho, o Dani vinha mal de um músculo há uns km. E assim mais lentos acabámos por completar a etapa de quase trinta e seis km. O resto do dia foi normal, mas uma coisa aconteceu que me fez dar o título do sinal de hoje, ao fim da tarde no albergue encontrei o alemão novamente e perguntei como estava, e ele disse que melhor, que tinha tomado o que lhe tinha dado e seguido os conselhos que tinha caminhado bem melhor. Eu disse-lhe então, vês o caminho são as pessoas. E ele respondeu, vim a pensar nisso e nas tuas palavras, e tens razão.
Mais um dia ou menos um, e a vida é bela e mochila às costas, há lá coisa melhor. Haver há, mas não vos vou dizer, façam caminho no dia a dia e deverão descobrir. Uma pista... Pessoas!

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Bernardola: O que a vida nos ensina, estás a chegar ao final desta etapa e já estás "MESTRE CONSELHEIRO". Não há nada como nós sentirmos na pele as agruras da vida para depois poder dar conselhos!...mas essa de acordares mal humorado e desenfreado como uma mula..largares um chorrilho de asneirolas não é lindo....Bjoquinhas, já estás nos 2 digitos..tá quase.Prima Dora