sexta-feira, 2 de julho de 2010

33º Sinal | O gostar dos outros pelo caminho entre Belorado e San Juan de Ortega


Hoje teria muito para dizer, episódios de muita emoção, simplicidade, genialidade, divindade, e outras tantas boas palavras acabadas em ade, como amizade. Ontem, enquanto jantavamos ainda que estivesse um pouco em baixo, pela segunda vez e à volta de uma mesa disse aos meus companheiros, homens e mulheres, jovens, adultos e maiores, que gostava deles como pessoas que dá gosto ter por perto. De peito aberto, disse-o. A maré sentimental típica do português tem vindo ao de cima, e assim "el portu" como me chamam aqui por vezes aproveitou a oportunidade de transmitir teorias que por vezes ponho em prática e que como todos por vezes esqueço, mas que são essência da minha forma de ver as coisas. Que é o transmitirmos aos outros o quanto gostamos deles, dizendo-o, escrevendo-o, demonstrando com acções, e a promoção do elogio como forma de destacar as coisas boas de quem abraça e envolve o nosso mundo. Depois de partilhar o que me ía na alma ainda me deu para ouvir um como me quedas bien. Hoje, pensava que ía sozinho de autocarro, mas os outros três após um quilómetro voltaram para trás e tive companhia. Viemos para San Juan de Ortega de boleia. Como choveu de manhã, os outros peregrinos chegavam de ponchos, guarda-chuvas, etc., mas chegavam felizes, como é o exemplo que se vê na foto do Michel, um peregrino francês de sessenta e qualquer coisa anos. Entre tudo o que se foi passando hoje, recordo já com alguma saudade momentos de dois tocadores de flauta diferentes mas muito bons dentro da Igreja desta aldeia que não tem muito mais que meia dúzia de casas. O silêncio e as notas a ecoarem foi uma sensação de paz total, esta sensação repetiu-se em mais dois momentos. Numa conversa com o José um dos tocadores de flauta que apresentei à dias e quando com a ajuda de uma guitarra consegui convencer uma americana a cantar o Amazing Grace, e como diz o Julian, que hay cantado como un angele. Julian é um outro peregrino espanhol que enche as medidas de qualquer ser humano com uma humanidade maior. Vou tendo de tudo um pouco filmado, acho que poderei ter muita coisa para partilhar e boa. No meio de tudo isto, tenho de falar numa parte importante da conversa com o José, o tocador de flauta. Falávamos de Deus e do que será ou poderá ser. E ouvi a definição mais pura, sentida, clara e talvez perfeita que alguma vez ouvi. Deus não será um ser maior sentado num trono no céu, não é um ser que se coloca lá em cima a julgar, mas sim um ser que existe e que é representado em cada um dos seres vivos, homens, animais e plantas, e que na sua existência então estamos todos ligados. Desta maneira quando agredimos alguém por estarmos todos ligados acabamos por nos agredir a nós mesmos ou ao contrário fazendo bem aos outros fazemos a nós mesmos. Ora para mim, tornou-se numa definição clara para crentes e não crentes. Porque uma ideologia de fazer o bem aos outros nunca fez mal a ninguém. Viva a mente dos simples, porque sempre acabam por ver mais longe. De San Juan de Ortega e aberto ao mundo, a vida é bela de mochila às costas.

7 comentários:

aprender matemática com exemplos do budismo disse...

Os últimos parágrafos são-me familiares! É curioso ler isto de alguém com uma outra cultura.

oicaca disse...

Bonitas reflexões, ricas de conteúdo e humanidade!
Gosto, muito.
Estás um observador nato, profundo!
Que te sintas bem!
Dorme bem!
Descansa!
Um Abraço
do 28C

g. disse...

Sabes Bernardo ler-te a cada dia deixa-me com uma vontade imensa de estar ai, de meter os pés ao caminho. de certa forma sinto-me a fazer o caminho contigo, obrigada por partilhares estes momentos, os teus momentos que me fazem sentir tão próxima. obrigada por teres continuado fico feliz por teres optado pelo autocarro enquanto esse pé não está bom e transmitires-nos esses viveres, sentimentos e momentos que vives.
foi mero acaso ter visto o teu apelo mas acho que foi Santiago que me colocou no "teu" caminho e nessa tua vontade férrea de o fazer.

Saint Exupery fez agora 110 anos e nunca este pensamento foi tão intenso e com tanto sentido:

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."

as tuas melhoras e um enorme beijo

Anónimo disse...

Ao longo do caminho, vamos encontrando esses mestres improváveis, que nos (re)despertam para a serena simplicidade das coisas...


Acompanhamos-te no percurso
um abraço enorme,

prima Inês

Isabel disse...

Vai apontando as receitas de outros países...quando cá chegares abres uma "taberna" das finas...taberna porque a malta sente-se mais a vontade...

Bom caminhos e as melhoras amigo...

Anónimo disse...

Olá Bernardo, tens o condão de com as tuas "fabulásticas" e claras descrições do teu percurso me fazeres vir ás lágrimas...talvez porque tocas profundamente nas coisas que nós por vezes vimos e fingimos que não é connosco...é com o vizinho, mas na verdade somos nós..enfim.Bem, folgo em saber que vais andando de "PÒPÒ" é melhor assim senão vais chegar cá todo escarranchado. Pelos vistos já á mais uma PRIMA acompanhar-te....BJOCAS.Prima Dora

Unknown disse...

Concordo com o Pedro, para mim Deus é tudo "isso"
Também concordo com a g. de certa forma sinto-me a fazer o caminho contigo... ai que vontade de me por a caminho.
Também me fazes ir às lágrimas, são profundas as tuas palavras.
Obrigada!
Beijinhos